Até pouco tempo atrás, se me falassem de Paulo Vanzolini, eu não saberia quem é. E quando eu digo pouco tempo, quero dizer pouco tempo mesmo: questão de duas ou três semanas. Mas é claro que eu já tinha escutado sobre a famosa “cena de sangue num bar da Avenida São João”, descrita na música Ronda, da autoria de… Pois é, eu nunca soube quem é o autor dessa música. Se alguém me perguntasse, eu talvez chutasse Caetano Veloso, mas nem sei por quê. Mentira, sei sim: como qualquer bom cidadão do interiorrrr do Brasil que nunca foi a São Paulo, por muito tempo o meu conhecimento sobre a maior cidade do meu país se resumiu àquela coisa que acontece no coração do Caetano, “que só quando cruza a Ipiranga e a Avenida São João”. Essas são as duas ocorrências da Avenida São João na minha memória: nas canções Sampa e Ronda. Vem daí a associação entre essas músicas na minha mente.
Porém, outro dia, fui pesquisar e descobri que, na verdade, Ronda é da autoria de Paulo Vanzolini. O mesmo autor, aliás, da música Volta por Cima, aquela que conta “chorei, não procurei esconder…” Quanto a essa canção, não sei qual versão fez mais sucesso: a original ou aquela que relata a história de um… bom… de uma flatulência, digamos assim. Mas isso não vem ao caso. Por ora, quero manter o foco, que é o gênio que escreveu essas canções e muitas outras. Gênio da música, obviamente, pois compôs sambas de altíssima qualidade, característica comum em seu círculo de amigos, que compreendia outros grandes da música brasileira, como Adoniran Barbosa, Jacob do Bandolim, Zé Keti, Paulinho Nogueira e Inezita Barroso, por exemplo.
Como se não bastasse ter tamanha influência no universo artístico, Vanzolini também era cientista, zoólogo dos bons. Graduou-se na Faculdade de Medicina da USP e fez doutorado em Harvard. Também foi diretor do Museu de Zoologia da USP durante muitos anos e ganhou vários prêmios por suas realizações científicas. Existem, aliás, inúmeros táxons (aqueles nomes científicos da biologia) nomeados em sua homenagem, por exemplo: “Saimiri vanzolinii”.
Mas o que mais me interessa mesmo é a sua enorme contribuição ao mundo da música. Além de suas composições, todas com melodias complexas e letras divertidas, ele ainda colaborou em canções que hoje são extremamente populares. Um exemplo é Cuitelinho, que não é composição pura de Vanzolini, mas não seria tão conhecida atualmente se não fosse por ele. Ele também pôs letra no choro Pedacinhos do Céu, de Waldir Azevedo.
Para saber mais sobre a obra musical de Paulo Vanzolini, vale a pena assistir ao documentário Um Homem de Moral, dirigido por Ricardo Dias. O filme se encontra completo no YouTube.
Segundo o próprio Vanzolini, ele não entendia nada de música. Sua profissão era, na verdade, zoólogo. Unicamente. Talvez por isso, sua discografia não é muito ampla. Tem os quatro CDs Acerto de Contas (Biscoito Fino, 2003), que são o último registro de sua obra ainda em vida. Anteriores a esses, há os discos Paulo Vanzolini por ele mesmo (Eldorado, 1981), A música de Paulo Vanzolini (Marcus Pereira, 1974) e Onze sambas e uma capoeira (Marcus Pereira, 1967). Infelizmente, Vanzolini faleceu em 2013. Meses mais tarde, Carlinhos Vergueiro o homenageou com o álbum Paulo, Poeta, Compositor, Cientista, Boêmio, Vanzolini, também da gravadora Biscoito Fino.
Não há dúvidas de que Paulo Vanzolini será eternamente lembrado. Ele era, além de um homem de moral, um gênio, pelos dois lados do cérebro.